terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A egoísta.

Contexto: trabalhador-estudante requer dias para estudo à entidade patronal;

Personagens: trabalhador-estudante, patrão.

Acção: entidade patronal que lucra milhões anualmente a nível internacional acusa trabalhador-estudante de egoísmo aquando do pedido de 4 dias para estudo, dos 40 anuais previstos por lei, caso necessário. Egoísmo ou necessidade de mudança por parte da política de gestão de recursos humanos da empresa?

Pensemos; será egoísta uma pessoa pensar no seu bem-estar académico e usufruir dos seus direitos? Ou será mesquinhez organizacional?

Arranjar emprego está difícil e mantê-lo ainda mais complicado se torna. Só quem está como efectivo numa empresa se pode “dar ao luxo” (é incrível ter de usar esta expressão quando falo de um direito tão básico) de dizer: “eu tenho direitos e planeio usá-los”. Coisas tão simples como entrar às 10h e sair às 19h se transformam em entrar às 9h30 e sair às 21h30, quando estamos presos à renovação ou não de um contrato. Horas de trabalho pagas: 8h. Horas de trabalho: 11h. Pessoas em regime parcial, aquele pessoal que, como eu, trabalha por aqueles trocos que pagam propinas e outras despesas académicas e pessoais a ver-se obrigado (psicologicamente - ou ficas ou daqui a três meses não tens trabalho e quero é que te lixes) a ficar até às três da madrugada num local que está vazio desde a meia-noite, porque apesar dos lucros, há gente a menos do que aquilo que seria esperado a trabalhar e não se podem pôr horas extra, senão há quem perca o seus prémiozinhos de produtividade. Obrigar uma pessoa que, contratualmente, labora cinco horas a permanecer durante mais três, sem ser paga e sem opção, no meu ponto de vista, é escravatura.

Pressão psicológica é tida como grave e pode ser motivo para rescisão contratual por parte do trabalhador, por justa causa. E prová-lo? “Olhe, repita aqui para o gravador aquilo que me disse ontem, se faz favor.” A vitória de quem exerce este tipo de pressão é exactamente a falta de provas que o trabalhador tem na sua mão. O que chateia é que esta estratégia psicológica funciona. E nós deixamos que isto funcione. Eu senti-me mal depois de ter ouvido que estava a ser egoísta. A minha colega sente-se mal depois de ouvir que não fica horas suficientes pós-turno. Outra sente-se mal porque lhe é dito que não tem disponibilidade alguma fora do horário para o qual foi contratada. E nenhuma de nós tem a mínima razão para se sentir culpada. Estamos a cumprir com todas as nossas obrigações, com tudo o que foi assumido em contrato escrito. No que toca ao contrato psicológico - que também existe - esse é alterado quase diariamente e cada parte tem dele a sua própria interpretação. Mas nunca poderá ser presumida como obrigação qualquer parte desse contrato. Sair do meu posto de trabalho à meia-noite quando deveria sair às onze e meia e mesmo assim ter de ouvir “Só pensas em ti, não pensas em mais ninguém, mas pronto, tu é que sabes o que achas bem fazer. Sabes que a ‘x’ também tem exame amanhã e não a estás a ver ir embora, pois não? Enfim.”

Um dia, por causa destes cabrões, não vai haver direitos. Porque ninguém os vai usar, as politicas de gestão organizacional não vão mudar e não fará sentido que eles existam. Se todos nos uníssemos e lutássemos, não para ganhar direitos, mas sim para USAR OS QUE TEMOS, isto não estaria assim. QUEM TEM DE SE CONFORMAR SÃO AS EMPRESAS E NUNCA OS TRABALHADORES. Tenho dito.

1 comentário:

Luciano Bréu disse...

Um fogo tão familiar e tão próprio, como um perfume que não se desvanece. *